sábado, 23 de agosto de 2008

VIDA FELIZ


HÁ JÁ ALGUNS DIAS ACOMPANHO OCUPANTES DE UM MALDITO TERRENO ABANDONADO QUE A PREFEITURA TEIMA EM SER ÁREA VERDE. À MEIA DISTÂNCIA ENTRE MINHA CASA E MEU LOCAL DE ESTÁGIO, TORNOU-SE INTRAGÁVEL E INTOLERÁVEL PERMANECER OMISSO ÀQUELE LOCAL E AOS EVENTOS QUE O CERCAM.

Depois de tentar alguns contatos, todos frustrados, com a imprensa. (Mesmo sendo ciente da superestima da classe por parte do povo, que a mim sempre perguntava: 'Ei, David, tu deve conhecer gente de jornal, gente de televisão. Chama esse povo'.
Ao que eu retrucava: 'Nego véi, jornalista não resolve porra nenhuma, não. Vão chegar aqui, como já vieram, vão fazer uma matéria e botar uma grana no bolso'... - 'Sei, David...'
Em tais tentativas, toscas, com o tido 4ª poder - realmente poderoso a serviço da superestrutura - também falei com Delane Ratts, âncora do jornal das 6 da Cidade: 'Lá é ilegal mesmo'...
Pode crer.
Poder crer, porra.
Viva o verde rico de entulhos e esgotos em detrimento do bucho do povo. Viva a merda da vaca às custas do descanso da velha. Viva a PUTA QUE O PARIU - mas não dê vivas ao Márcio, flanelinha da Engenheiro Santana Júnior, espancado duas vezes, ontem, pela guarda municipal - ele se quer reagira ao ver sua casa (leia-se, quatro paus em um três por três, sem piso e tão somente com teto de sacos). Para mim o Iguatemi é a Siciliano e seus livros caros. Para o Márcio, um distante e penossísimo local próximo ao seu árduo trabalho... enquanto apanhava, Márcio foi chamado de vagabundo.
Ou seja - he, he - VIVA A PUTA QUE O PARIu - mas não daremos vivas à Tia Maria - senhora que poderia ser nossa mãe. Depois de também perder seu humilhante pedaço por humilhantes 4 vezes - a Guarda Municipal foi à forra e à espoliação. Chegaram à tia Maria: 'Precisamos levar todos seus pertences'. Em tempo: Um colchão sujo, velho e desgastado, duas panelas imundas e algumas garrafas, vazias, de refrigerantes 2 litros e sua bolsa - experimentem viver com TODO esse luxo - 'Passa logo tudo pra cá' - berrou a porra do policial. 'Senhor, não faça isso comigo, por favor'. Nesse instante tomei o colchão de tia maria e corrí com ele pelos quarteirões do Vila União, com a Guarda atrás de mim e dos outros.
Salvei o colchão.
Soube depois, da própria Tia Maria, que levaram sua bolsa. Dentro dela, todos os seus documentos e o registro de sua filha. Conseguido à duras penas numa sacrificada viagem rápida de retorno a Juazeiro.
De onde eu venho, isso que a polícia fez se chama 157.
UM GRANDE VIVA A NOSSA GESTÃO VERMELHA E AO SISTEMA ELEITORAL. UM GRANDE VIVA AO DEUS DE MÁRCIO E TAMBÉM O DA TIA MARIA.
... ufa...

Diário de Bordo - estou à deriva no mundo.
Ontem à tarde marquei de encontrar, no CH da UECE, com Tatiana (estudante de Serviço Social), Thalita (também do Serviço Social) e Inaldo (da Letras) - o Bruno Mezenga (Ciências Sociais) ficou de aparecer mais tarde.
O intuito do encontro era desenvolvermos, sem amarras na universidade, sem nome, sem sigla e sem hierarquia, um trabalho de educação nos ocupantes. Movidos tão somente pela necessidade, boa parte ainda acredita nos políticos, na imprensa... e passa longe de ter condição organizacional.
Já era de meu gosto tentar algo assim. Sair do planejar/discutir e fazer. Encerrar os debates acerca da dúvida cartesiana enquanto cética ou somente propedêutica e afins. "Estou cansado de ouvir falar em Freud, Jung, Marx"...
Somado à minha vontade, estava o convite, realizado quarta-feira última, por uma das líderes de um movimento sem nome, mas com a perspectiva de unificar as ações de ocupação em Fortaleza - com contatos também em Itaitinga.
(Voltando ao encontro no CH da UECE)
Expliquei aos outros três presentes tudo o que sabia. Reiterei o convite.
Iniciava nossa marcha da 5ª feira 13.
Iríamos visitar a ocupação. Começamos por sua origem: Rua do Guga, um pedaço ocupado anos atrás. Localizado em frente ao Parreão, a rua tem esse nome por que, certa vez, um de seus moradores, estudante do Juarez Távora, ao pular o muro de seu colégio, com tantos outros, num feriado, foi morto com dois tiros pelo vigia. O último deles enquanto Guga ferido e pedindo que não. O nome da rua é uma bela - porém irônica - mensagem póstuma.
Na rua do Guga, procurei Larissa, aluna minha. Queríamos saber a origem da ocupação.
'Vamu na dona Nilda. É a mais velha aqui... avó do Guga'...
E duas casa à diante, entramos. Quatro estranhos, (o Inaldo tem 1,94 cm), mas fomos, como quase sempre em tais situações, bem recebidos.
E dona Nilda: 'Isso tudo era mato, meus filhos. Quando cheguei não tinha nada. Ajudei muita gente'.
Daí seu Chico, antes tão calado, desembesta - a voz trêmula como a mão que segura à bengala, a cor clara como não havia na capital à época de seu Chico, não entre os trabalhadores - 'Eu trabalhava e morava num hotel que não tem mais. Ele ficava aqui onde hoje é CDA FIAT, doutor Alcântra disse que eu podia ficar. Só minha casa mermu. Mar aí veio mais. Meus filhos, alguns fizeram casa por aqui... foi uma luta'.
'Quando aqui o senhor chegou, seu Chico? Que ano?'.
'Ano num sei dizer não. Sho vê aqui na minha carteira. Fui vigia da construção da CDA... tá aqui, cheguei aqui em 86, depois do hotel, aterrei, construí cano, ajudei us amigo... a CDA é de 97, foi quando ficou ruim'.
'Ficamu exprimido nesse canto, agente chamou muito a COELCE mas nunca vinha. Juntamo dinheiro e compramu um poste na entrada, na Borges de Melo. Pra cá pra dentú é tudo de madeira. Cum a CDA o terreno diminuiu, mas chegava mais gente. Era muito relógio num poste só... nesse dia a COLCE veio'.
'Seu Chico, como era antes da CDA?'
'Num alagava, num sabe? Num tinha isso. Eles levantaram o muro e desviaram o canal. Quando chove alaga, mas num instante passa'.
'E essa é a graça de meu Deus. Deus é forte. Comentou dona Nilda'.
Seu Chico leva a mim a ao Inaldo para verificarmos o muro da CDA e o desvio do canal.
Tatiana e Thalita permanecem na casa com dona Nilda.
Antes disso, perguntamos ao seu Chico: 'O que o senhor pensa da ocupação mais à frente, na continuação do terreno'.
'Eu penso que eu num gosto não. Né do meu gosto não. Agente aqui tem tudo casa de tijolo. Humilde, mas de tijolo, num sabe? Num tem nada que nem lá que é só uns pau e uns saco. Vai ser ruim pru povo dessa rua. Tem muita criança aqui... nós sámu tranquilo'.
Tatiana e Thalita se juntam a nós: 'dona Nilda já cuidou de muita criança. Na reconstrução da rodoviária, vários meninos de rua vieram para cá. Ela chegou a abrigar 32 meninos. Os tratava como à sua filha. Hoje alguns moram por aqui, outros foram para o interior. O último saiu 2 anos atrás. Ela fez isso durante 5 anos'.
'Massa, cara - comentei - sem ONG, sem projeto, sem porra nenhuma. Isso que é'.
Nos despedimos e chegamos ao local da ocupação. Era intenção minha passar lá para melhor explicar tudo aos meus colegas. Contudo, na noite anterior eu mesmo ajudara na mudança para outro terreno - um quarteirão à frente.
O terreno que então nos encontrávamos tinha várias marcas da ocupação.
Quase que composto por completo de entulho, lixo e capim. O terreno é cortado por um canal, via de regra, seboso. Localizado às costas da CDA e à frente de uma enorme casa com placa de vende-se; rodeado por grandes prédios (no caminho ouvimos algo a respeito de um abaixo assinado entre os moradores para expulsar os sem terra), alega-se que o terreno é área verde e que nada pode ser construído próximo ao canal. (Vai ver tem uma cláusula autorizando a CDA a fazer tudo com o canal - várias casas da região também estão por sobre o riacho/canal/seboso).
O terreno, para os que conhecem, localiza-se quarteirão ao lado da casa do Çilprila (Ramon), grande amigo.
Enfim, nosso intuito se aproximava. Minha mente pseudofilosófica imaginava maneira de interagir com os ocupantes. Estive presente na última semana - no caminho todos me cumprimentam, agradecem. Mostro meus amigos e mais felizes ficam.
'Lá vem os doutisinhu. Pessoal massa. Valeu, galera'.
ISSO É PERIGOSO - NÓS SABEMOS - NÃO QUEREMOS MANIPULAR NINGUÉM - NÃO SEREMOS ÍDOLOS.
Há muito trabalho a ser feito. Penso que o coração das meninas pululava com expectativas. Elas estavam nitidamente dispostas... massa, vai da certo, vai dar certo, vai dar certo...
'Boa tarde, Filgueiras' - falamos com um dos líderes. Não reivindica casa para si, tem a sua em Messejana, mas luta para que ocupações vinguem. Há 14 dias reveza entre acordar às 4 da manhã em Messejana e ir para a ocupação, ou dormir por lá mesmo.
'Opa, boa tarde, entrem (a "casa" não tinha paredes, ou seja, sacos para cobri-la... 'era uma casa muito engraçada'...).
'Filgueiras, tá aqui o pessoal. Eles vieram conhecer, falar com os ocupantes. Como a Ila disse, viemos dar pernas ao movimento'.
Vários ocupantes nos cumprimentam.
Começa agora pra valer o dia de ontem. 13/07/06.
Corre-corre geral.
Uma mulher que grita.
'David, aquilo ali'. Me chama Thalita.
Eram cerca de 40 da Guarda Municipal de Fortaleza.
Estávamos em um mísero canteiro divisor, na Av. 13 de Abril, bem em frente ao colégio Papa João XXIII - salvem a ordem papal.
Armados para guerra civil. Escudos transparentes, cassetetes, capacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar.
'Vamos lá trocar uma idéia' - falou o Inaldo.
Fomos os quatro.
Me apresento ao batalhão. O olhar de repulsa e espanto de um deles. Falo: 'Boa tarde' e estendo a mão - analisando um tempo meus dedos, quando quase já me encaminhava a desistir do cumprimento, ele cela a comunicação.
Continuo: 'Somos universitários da UECE (maldita instituição EU TINHA que falar isso - era o quê, um escudo da minha parte? Bem, falar o que para o homem, tal como eu tava, e tal como ele tava, não podia sequer feri-lo. Meus socos encontrariam sua armadura e seu spray de pimenta meus olhos, assim como seu cassetete, meus ossos.) 'Nós estamos acompanhando essa ocupação e queremos saber quais são as ordens. Quais suas orientações e quem é o encarregado chefe da missão' - terminei sem gaguejar.
'Você está falando com a pessoa errada. O comandante tá lá atrás'.
Saiu com seu batalhão e meu às costas. Eu e o Inaldo seguimos. As meninas tentavam encontrar o tal comandante e colher informações.
E o policial que falara comigo, ao chegar à liderança:
'Vim cumprir ordens. Quem LIDERA?’ - mas não era hora deles se identificarem.
'CADÊ A LIDERANÇA? EU SEI QUE TEM'
'Seguinte, to vendo que tem muita mulher e muita criança, NÓS NÃO VAMOS DISPENSAR NINGUÉM. NÓS NÃO VAMOS DISPENSAR NINGUÉM. Vocês têm 10 minutos pra tirar suas coisas'. E retornaram a formação oficial. Em pé, em frente ao seu caminhão. Um do lado do outro, fechando a rua. Onipotentes e onifudentes.
Os ocupantes se reúnem – única possibilidade: por seus parcos pertences na calçada do Papa XXIII e ver, pela 5ª vez em 14 dias, suas casas engraçadas serem estraçalhadas pelos funcionários da SER IV - pois a coisa é hierarquizada: a polícia, a Guarda Municipal, essa não está ali para quebrar barracos, e sim ossos. Os funcionários com os coletes da SER IV, quase tão pobres quanto os ocupantes - em boa parte - esses sim quebram os barracos.
Tia Maria chora: 'De novo, meu filho' - e corre com suas panelas para a calçada.
Márcio chora. Muitos outros também. Deve haver 3 recém-nascidos, com meses de vida, na confusão.
Eu e o Inaldo ajudamos no corre-corre com as coisas. Um sofá velho, diz o dono, ‘pode deixar aí. Não tenho mermu com levá'.
'Vamos colocar o sofá na rua e ver o rídiculo bem perto' - me convida o Inaldo.
E assim a lógica capitalista se cumpre diante dos nossos olhos. Como numa sinfonia, tudo tem seu som: o colchão maltrapilho, as panelas encardidas e os instrumentos, enxada, foice, facão, cordas, chibanca - tudo ia sendo roubado, jogado no caminhão.
O povo das calçadas, num misto de ocupantes chorosos e passantes curiosos, via a polícia exercer sua função maestral. Garantir meus direitos e de todos que lerão esse e-mail.
Num dado momento, um homem à paisana tira uma foto minha e do Inaldo sentados no sofá:
'Qual é seu nome?'
'Pra que vocês querem saber?'
'Você não pode fazer o que fez sem autorização nossa. Que crimes cometemos?'.
De costas, ele dá um legal e vai se encontrar com outro à paisana, que filmava.
Inaldo e eu vamos atrás.
'Volta aqui. Qual o seu nome?'
Ele volta. Atrás da gente, o ávido e prestativo pessoal da SER IV: 'Vai, vai, levantaram. Pega o sofá, pega...'.
'Você num tá do lado da lei?' - pergunto ao fotógrafo.
'Tô' - sorrí.
'Então me diga seu nome. Porque temer?'
'Vá perguntar ao comandante' - debocha
'Tu sabe que isso num vai dá em nada. Tu tá só empurrando burocracia. Diz teu nome e teu cargo' disse o Inaldo.
'TU JÁ TÁ ATRAPALHANDO DEMAIS' - era um gordo membro da guarda. O homem com quem falei no início também se aproxima.
'TU TA ATRAPALHANDO NOSSO TRABALHO. EU TO AVISANDO'
'Se retire' - fala o líder com quem falei no início.
Dando um passo para trás. O suficiente para sair por inteiro do canteiro divisor e pisar na sarjeta, sobre o asfalto; estendo os braços, olhos nos olhos dele e pergunto:
'ATÉ AQUI TÁ BOM PRA VOCÊ?' - mas a vontade era muito maior.
'EU TO AVISANDO. TO AVISANDO, VOCÊ TA ATRAPALHANDO'.
'Porque você grita comigo. O que eu fiz? Pra que essa alteração? Vocês tão quebrando tudo'.
'EU NÃO TO GRITANDO. QUEM TÁ ATRAPALHANDO É VOCÊ. VOCÊ QUE TÁ FAZENDO CONFUSÃO. JÁ AVISEI PELA ÚLTIMA VEZ'.
'E depois da última vez. Acontece o quê?
'Também quero saber' - disse o Inaldo
'OLHE, OLHE'.
'Vai fazer o que? Me bater?' - pergunto com olho no olho.
Antes da resposta, a correria. Os filhos da puta, com medo de bater nuns burguesinhos de merda brincando de revolucionário, alegaram xingamento por parte dos ocupantes e correram pra cima.
Descontaram a raiva e foram à forra. Márcio levou um forte pisão no joelho. Sentiu a entrada maldosa do coturno, "pra tirar da profissão", de cima para baixo. Rodopiou, caiu e levantou. Correu com cacetadas nas costas enquanto outros também corriam e apanhavam.
Eu, Tatiana, Thalita e Inaldo, juntos a alguns ocupantes, corremos para acalmar os ânimos. Conseguimos.
Agora era hora do sentar e ver a beleza do mundo se fazendo no perfilar de destruições sofridas pelo pobre. Tudo foi sendo quebrado.
No momento do tumulto, os homens à paisana, o fotógrafo (que na hora da chibata alegou ter sido xingado por Márcio e praguejava: 'Eu não sou igual a vocês, não porra. Eu to trabalhando e não vagabundando que nem vocês, seus merdas. Eu tenho casa') bem como o cinegrafista, não fotografaram nem filmaram nada.
Depois descobrimos que eram dois funcionários da Inteligência da Guarda Municipal.
Durante a remoção dos barracos, ouvíamos constantemente: "Chamem a imprensa", "chamem a imprensa" - impressa meu zovo.
Nós quatro nos esforçávamos em desmitificar o 4ª poder.
Pouco tempo depois, um carro do jornal o Povo.
Partes dos ocupantes pedem para que eu fale com o repórter.
'Prazer, sou David' - enquanto os policiais literalmente posaram para uma foto ante um barraco. Sorrindo e acenando.
'Carlos Henrique, David'.
'Conhece o Pedro, estagiário?'.
'Não'.
'E a Angélica?'
'Talvez só de vista'.
Henrique me entrevistou. Pediu para que chamasse os agredidos e assim o fiz, também foram entrevistados. O fotógrafo que o acompanhava tirou muitas fotos. Henrique entrevistou alguns guardas, ficou por ali, e só depois de muitos minutos pareceu ir embora. Fui até ele. Conversei enquanto ele tomava muitas notas. Pareceu também está puto, assim como puto estava o fotógrafo com seu sotaque não nordestino.
E quando iam embora, pois a Guarda também parecia ir, eu os avisei: 'Olha lá, porra'.
A Guarda retomava sua ridícula formação e se encaminhava para a calçada do Papa XXIII. Chego lá correndo Chegaram à tia Maria: 'Precisamos levar todos seus pertences'. Em tempo: Um colchão sujo, velho e desgastado, duas panelas imundas e algumas garrafas, vazias, de refrigerantes 2 litros e sua bolsa - experimentem viver com TODO esse luxo - 'Passa logo tudo pra cá' - berrou a porra do policial. 'Senhor, não faça isso comigo, por favor'. Nesse instante tomei o colchão de tia maria e corri com ele pelos quarteirões do Vila União, com a Guarda atrás de mim e dos outros.
Como um estranho herói, meu amigo Bruno Mezenga aparece nesse momento. Num primeiro instante eu o vi, num outro já corria da Guarda com colchões nas mãos.
Lenta e impassiva, em meio a uma cidade tida vermelha e civilizada, os bestiais da Guarda Burguesa, fechavam a rua em sua marcha, mesmo as calçadas. Seu passo era lentíssimo e tenebroso.
Houve violência, alguns foram chutados, uma mulher muito gorda foi chamada de Baleia e recebeu um cassetete nas costas. Corríamos.
O fotógrafo congelou em sua câmera golpes e hematomas.
Acho que ele ainda não sabe, mas corremos até a calçada do Ramon, lotamos a lateral da sua casa com pobres pertences.
Os funcionários da SER IV, mais ávidos que os guardas, corriam na frente e tomavam dos ocupantes verdadeiras fortunas: leves troncos e sacos de lixo.
A Guarda chegara às 16:00 ou pouco mais. Já era quase seis na calçada do Ramon.
Eu com o colchão de tia Maria, Bruno e Inaldo com panelas e colchões.
'Liga pro Ramon' - um disse - 'Vamu deixar as coisas aí dentro'.
Sai, da casa do Ramon, sua prima, a ruiva Marina.
Ela me diz que o Ramon não tava e deseja que eu fique bem.
Naquela calçada, acuados pela Guarda, esperamos.
Logo era a hora e vez do aparato de repressão OFICIALMENTE particular: a dona do comércio em frente ao Ramon ativa a escolta armada. Passam uma viatura e uma moto, o motoqueiro pede reforço.
'A Guarda já foi' - diz alguém - 'É hora de voltar'.
E no retorno, um vizinho de frente do Ramon, senhor de cabelos grisalhos, se aproxima com seu celular e me bate uma foto. Dando às costa em seguida, sai.
'Senhor, pra que minha foto, senhor?'
Tanto ele não me responde, quanto sua esposa o repreende, bem como tinha tarefas mais dignas a realizar. O deixo com desdém e aponto para o Bruno, o Inaldo, a Tatiana e a Thalita - 'Foi aquele ali. Mais enojante que a soberba policial é a ideologia da classe média'.
'Minha mãe mandaria a polícia atirar' – comenta, convicto e triste, Inaldo.
'Minha mãe morreria de medo e trancaria as portas' - afirmo e o Bruno diz o mesmo.
Em tempo: Ao falar com a Marina a mãe do Ramon me viu - não sei se reconheceu - bem como seu padrasto. Preferi voltar a um local da calçada onde não me vissem, vai que vai...
Ainda vimos um menina, minha idade, com um filmadora, em frente sua casa, sorrindo:
'Faz posse, Inaldo, estamos diante das câmera.
------------ PORRA, TO MUITO PUTO, PRECISO PENSAR, DEPOIS CONTIUNUO, A ESTÓRIA ATÉ AQUI PASSOU SÓ UM POUQUINHO DAS 6... CHEGUEI EM CASA 00:35....
Ah, saiu a matéria no povo, confiram, Primeiro Caderno, página 4: FAMÍLIAS DESOCUPAM ÁREA VERDE - é hilário. Acima ainda consta mais uma ação de mais uma regional.
.......................................depois eu continuo..................................

[david albuquerque de oliveira]

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