segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A LIQUIDEZ DO AMOR


Na LanHouse, Pedro logo viu os dois, a duas cabines da sua, enquanto sentava e digitava sua senha de acesso com as mãos trêmulas. Quando ia verificar a terceira caixa de e-mails percebeu o ruído dos beijos que os dois trocavam, com lentidão e muito chamego. Franziu a testa de leve, a princípio. Nenhuma mensagem. Essas manifestações de afeto, segundo acreditava, cabiam melhor na intimidade incompartilhável dos dois. A intimidade que ele não partilharia mais. Um mês e nenhuma mensagem. De instante em instante, os dois ao lado repetiam a cena: cinco ou seis beijos solenes e ruidosos. Quase já se incomodava. Na verdade, exasperava-se, mexendo-se impaciente na cadeira, sem parar com o mouse. Mas não podia não entendê-los, no mergulho cego de sua paixão. Pedro não podia odiá-los. Talvez, aliás, sentisse inveja de tantos carinhos assim, explicitamente intensos e displicentes.
Quantas indecências e absurdos não fariam aqueles dois, então, entre quatro paredes? Sabia daquilo tudo, vivera também aquela cena. Quantas seivas e arrepios não correriam por suas peles e extasiariam suas almas? Olhou com o rabo dos olhos. Ele tinha uma tatuagem no braço, um nome de mulher que, não sabia por quê, não parecia ser o dela. E era feio, mas extremamente sensual. Um cafajestezinho. Pediu para o funcionário acrescentar mais meia hora de web e sua voz era pachorramente arrogante, o que fez Pedro odiá-lo mais. Ele, tão onipotente ali diante dela, ele, que era só mais um que vomitava e chorava quando tinha pesadelos, dentre alguns bilhares de humanos. Mas foi exatamente ele, com aquela tatuagenzinha ridícula no braço, que conquistara aquela menina. Fizera o que não fez Pedro, com suas mãos sempre a tremer.
– Seja homem!
Foi o que um dia ela gritou na sua cara, sem mais nem menos.
Adriana e sua franqueza. A outra, na cabine ao lado, certamente era uma lunática também, tal como Adriana. São todas umas loucas. Aquela ali, via-se pelos olhos, enviesados, a mirar múltiplas direções, não podia ser muito normal. Sem falar que trepava com aquele sujeitinho...
Percebeu que assistiam a um campeonato de esgrima, o que, para ele, parecia algo extremamente bizarro: como é que homem e mulher decidem se amar vendo um campeonato de esgrima numa Lan House? Talvez aqueles dois ali nem observassem direito os movimentos medidos na tela. Talvez a mensagem contivesse vírus extremamente potentes que foram prontamente identificados pelo provedor e instantaneamente eliminados, juntamente com a própria mensagem. Sim, certamente Adriana lhe escreveu uma declaração de docilidade, quando tomava umas taças de Riesling ao som de Carlos Gardel: Não vejo a hora de te ver e te tocar, Pedro querido. A distância destrói minha alma... E bobagens afins. Mais beijos sonoros. Aumentavam em número. Pedro, mais e mais nervoso, sentia estalar-lhe na ponta da língua um “dá um tempo” mal contido.
Ai, ai, honestamente, Pedro, aquela égua caía era na esbórnia, com mil homens. Foi a conclusão certeira, quando começava a digitar o e-mail para ela, certamente mais um dos muitos sem resposta. A desgraçada. A última coisa em que pensaria era ir numa LanHouse dizer amenidades para ele, um tolo. Para deixar de ser idiota, patético, imbecil. Que vírus merda nenhuma, ela tava se lixando pra ele. Adriana era uma amazona, sempre foi. Veio falar com ele só para pedir um cigarro, na grade da piscina. O que podia esperar mais? Uma nadadora que fuma? ele perguntou, naquele começo de noite de cinco anos atrás. Começo de seu fim. Perguntinha idiota, foi o que o olhar dela respondeu, enquanto acendia o cigarro. Mas depois vieram tantos momentos, tantas trocas... Tudo perdido. Foda-se ela, então. Isso não se faz, Adriana. Que morra com o pulmão necrosado. Como você pode me abandonar? Que se sufoque de fumaça. E enquanto isso, os dois ainda ali ao lado, a insistir nas melosidades. Aquelazinha ali certamente era tão puta quanto Adriana. Mil juras num instante e depois, toma, corno! Mil apunhaladas. Bem feito pra ele. Por que ele insistia em ser daquele jeito? Viscoso, é o que era mesmo, bem dissera Adriana uma vez.
– Deixa de ser viscoso, cara, me deixa...
Era uma lesma, mesmo. Um verme, a tremer de desespero diante da ausência de e-mails dela. Como é que ele não tinha a dignidade de ignorá-la de uma vez? Grande cachorra. As duas. Adriana e a lunática da cabine ao lado. E o outro, também um verme, com aqueles beijinhos também viscosos. Vai, besta, continua assim que você vai ver o que é bom pra tosse. Pulou para o programa de comunicação imediata, a fim de ver se ela estaria conectada. Não estava. Claro. Honestamente, Pedro, àquela hora ela estava curtindo, bebendo e fumando, a nadadora de araque. Só pra desfilar de maiô pelo clube e fisgar os bestas. Na cabine ao lado, mais beijos sonoros. Impacientava-se Pedro cada vez mais. Sussurrou pela terceira vez um viado cheio de rancor contra o cara da tatuagem. Com o ódio que sentia por Adriana seria capaz de dar um tiro naqueles dois. Assim as merdas acontecem. Tudo acabado para ele. Não podia mais amar aquela cretina, tinha que esquecê-la. Tinha que tirá-la da cabeça, como quem enfia a espada até o fim no peito do inimigo. Só danos, pesando aqueles cinco anos. Colocando os cinco anos numa balança, se pudesse voltar àquele clube, na grade da piscina, daria o cigarro e diria “agora enfia no cu, sua égua”. Adriana, sua maldita, o que foi que te fiz? Eu só te amei...
E enquanto seguia choramingando Pedro, o viscoso, na cabine ao lado um touché interrompia o milésimo beijo do jovem casal.


[ceLLina muniz]

Um comentário:

Tiago Viana disse...

A passar para conhecer o Outras Urgências, como foi o combinado no seminário de Fanzine!

Parabéns pelo Blog!

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